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Onde Nunca Bate o Sol

Atualizado: 5 de jun. de 2024

Sinopse: Do interior deste nosso Brasil, de seus campos, suas fazendas e suas exuberantes florestas, procedem os relatos mais incríveis, as histórias mais assustadoras que poderiam, sem sombra de dúvidas, fazer inveja aos clássicos de fantasmas estrangeiros.
Baseado em fatos absolutamente verídicos, nosso autor faz uma descrição de seus dias de férias quando saía da capital para passar seu descanso escolar, na cidade de sua família, no interior das Minas Gerais, terra de contos e de lendas.
Prematuramente, nosso personagem se vê às voltas com o inexplicável e o sobrenatural. Como já bem disse o nosso autor: há coisas que crianças não deveriam ter de lidar, mas como guardá-las do mundo? Como protegê-las do que está rondando por aí?
Entre as doces e memoráveis lembranças que o arrebatam e inspiram até a idade adulta e as amargas e espinhosas recordações do seu precoce e inevitável contato com o além, nasce uma narrativa verdadeira e pessoal, transparente e fresca como a água usada para regar o jardim que ele, na história, admirava tanto.
Do mesmo jardim de onde nascem belas flores nasce também, o que pouco se entende. Da mesma terra fértil do coração nascem belas plantas, mas também ervas daninhas.
Onde nunca bate o sol expõe os cantos escuros, as esquinas incertas e os recônditos do medo humano, onde raramente, deixamos a luz do sol entrar.

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Onde Nunca Bate o Sol

Sempre achei aquela entrada bem enigmática: saindo da rua, um  corredor largo entre duas construções, uma a parede de uma casa e a outra  a parede de um Centro de Reuniões Espirituais. A entrada da casa mesmo  ficava lá no fundo do corredor a esquerda. Acho que era isto o que eu  estranhava; a casa não ficava de frente para a rua, mas ficava na parte de  trás do prédio das Reuniões Espirituais. Sei que não era um local onde havia  reuniões com atabaques e música; era um local discreto e bem silencioso.  Eu era muito pequeno e jovem para entender o que acontecia, mas  sabia que determinadas pessoas já falecidas, eram invocadas e se  manifestavam ali. 

 

Havia a entrada principal, que era a única forma de adentrar o edifício  pela rua principal, e a outra entrada era por dentro da casa do fim do  corredor. 

 Havia um degrau antes da porta e nele, um objeto de ferro de mais ou  menos cinquenta centímetros p or quarenta, muito pesado com buracos no  centro, que servia para limpar os sapatos muito sujos; quem chegasse  deveria passar os pés ali para tirar todo o barro dos solados e evitar sujar o  piso de cimento queimado vermelho, e sempre muito bem encerado da  querida tia Luzia. 

 

Logo que entrasse, podia-se sentar na única saleta da casa que tinha  cadeiras antigas de madeira e uma ou duas cristaleiras com marchetaria  cheias de fotos e de bibelôs de vidro e cristal. 

 

Desta mesma saleta, tinha-se acesso a única entrada interna do  Centro de Reuniões Espirituais. Dali também, ia-se para a cozinha e para o  quarto da falecida vó Greta. 

 

Não sei se era uma mania da época, mas os quadros eram  pendurados não só nas paredes a altura dos olhos, mas também acima dos  batentes das portas e bem inclinados para a frente. Só assim, era possível  enxergar quem posava para a foto. A idéia das fotos é que fossem preto e  branco, mas na verdade tinham um tom carregado de sépia, e eram sem  exceção, das primeiras décadas do século XX. 

 

A casa era simples, mas bem grande e bem gostosa de se estar, com  exceção da presença do local das reuniões espirituais tão próximos do dia a  dia e que nos fazia lembrar, sempre que se saia ou entrava da casa, de que  havia muito mistério e coisas inexplicáveis e sobrenaturais que ali  aconteciam. 

 

Aquela não era a minha casa. Eu era só um visitante da cidade grande  que chegava para passar o período das férias escolares, ou seja, julho,  dezembro, janeiro e fevereiro de todo ano. E aquela senhora, a tia Luzia, também não era minha tia de sangue, mas uma grande amiga mais velha da  minha mãe, que sempre esteve presente na minha infância. Lembro-me dela  inúmeras vezes, ou estando em nossa casa em São Paulo, ou em sua  própria casa, onde eu passava boa parte dos meses livres. 

 

Tenho tantas lembranças da tia Luzia. 

 

São todas lembranças doces e de muito carinho. 

 

Lembro-me de viajar em seu colo a noite toda, em uma viagem de oito  horas de São Paulo ao interior de Minas Gerais em um ônibus simples.  Lembro-me da sua sacolinha de plástico onde ela trazia biscoitos de  polvilho e pães doce feitos por ela mesma para comermos na viagem. Havia  também uma garrafinha de barro com água e uma canequinha de ferro  esmaltado branca. Fico imaginando como ela me aguentava em seu colo a  noite toda. Era no mínimo oito horas de viagem. 

 

Ainda hoje sinto o seu cheiro de alfazema. 

 

Tia Luzia era delicada e bem pequena, com mãos ágeis e dedos muito  finos. Era uma mulher prendada e que quase sempre usava um lencinho fino  em seus cabelos crespos e muito curtos. 

 

Sempre vou me lembrar dela caprichosíssima em tudo o que fazia.  Uma bordadeira de mão cheia, bordava de tudo. Seus bordados não eram  de desenhos sofisticados, mas eram muito bem feitos. Suas colchas de  patchwork eram fantásticas e tinham um ar de aconchego.  

Com muito tempo livre, ela colocava como minha responsabilidade,  passar a ferro as pequenas e delicadas trouxinhas de tecido, chamadas de  fuxico, que seriam costuradas uma na outra, para no fim formar uma bela  colcha de cama.  

 

O ferro era bem pesado e a sua tomada vinha do alto. Ao me recordar, acho engraçado. A tomada ficava no alto mesmo, em  uns fios pendurados que cruzavam todo o quarto, como extensões  suspensas e eu, não a alcançava para conectá-la e a tia sempre executava  esta tarefa, mas subindo em um banquinho. 

 

Esta missão bordadeira era executada em seu quarto. Ela espalhava  os bordados na cama, misturados com as linhas de todas as cores, tecidos  e moldes em papel vegetal. 


 Eu adorava ajudar. 

 

Eu me lembro de ficar muito intrigado e de perguntar pra tia quem era  aquela mulher em um quadro com moldura muito antiga que ficava na  mesinha ao lado da sua cama, logo abaixo do abajur. 

 

A mulher era branca e usava roupas muito antigas, como da época de  Jesus.  

 

Sua cabeleira era o que mais me chamava a atenção; seus cabelos  eram crespos e muito longos, abaixo da cintura, e com um volume fora do  comum, e ela se curvava levemente com uma postura de ligeiro  desconforto. Parecia um pouco envergonhada, talvez.  

 

Tia Luzia disse que aquela era Maria Magdalena. 

 

Eu nunca tinha ainda ouvido falar desta tal Maria Magdalena, não  naquela idade, mas seu olhar era instigante e me incomodava muito.  Lembrava-me um filme de terror.  


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